As instituições tradicionais que atuam na construção de um mundo melhor precisam da contribuição dos jovens para alcançar seus objetivos.
O coro diverso de 1.8 bilhão de pessoas nos quatro cantos do globo, há algum tempo, está exigindo mais lugar à mesa de decisões em espaços locais, nacionais e internacionais.
Oportunidades e maiores espaços para a juventude
A ONU já entendeu o papel fundamental que esses jovens têm na busca de soluções, e por isso, em 2022, fundou o Escritório para Assuntos da Juventude. Essa é a leitura do atual líder da entidade, o médico uruguaio Felipe Paullier.
Ele comanda uma equipe internacional, com sede em Nova Iorque, que busca maiores oportunidades para que os jovens se afirmem na formulação e execução de políticas globais.
Nesse Podcast ONU News, Felipe Paullier projeta 2025 como um ano de passos positivos para a implementação do Pacto para o Futuro, um plano de ação aprovado pelos 193 países-membros das Nações Unidas, em setembro passado.
O documento inclui a Declaração sobre as Gerações Futuras, que trata de crianças e jovens.
Transformação que repercutam no mundo
“E creio que 2025 já começa como um ano, no qual passamos do acordado no texto para a ação. E esse é o otimismo que vejo que não passa pela ONU como uma entidade à parte, mas sim como um espaço onde construímos transformação que repercutem em governos nacionais, na sociedade civil e em todo ecossistema que a ONU representa como espaço global.”
Antes de chegar à ONU, Felipe Paullier era o líder nacional da juventude uruguaia, um posto que aceitou após se engajar em política estudantil durante os estudos de medicina quando descobriu sua vocação para o serviço público.
Atualmente, 90% dos jovens do mundo vivem em países em desenvolvimento com desafios diversos daqueles enfrentados pelos seus pares em nações desenvolvidas.
Empregos do futuro e trabalhos decentes
Felipe Paullier ressalta que isso determina as prioridades da juventude em diferentes partes do globo. Temas como saúde mental, ação climática, emprego e responsabilidade corporativa podem figurar como cruciais para a geração Z, e ocupar diferentes estágios dependendo do contexto geográfico.
Uma das preocupações de jovens que acessam o mercado laboral em nações em desenvolvimento é o trabalho na informalidade.
“As estatísticas da OIT demonstram que quase a metade dos jovens que chegam ao mercado de trabalho, acessam o trabalho irregular, trabalho informal. Então isso não representa somente um problema de acesso ao emprego, mas o acesso à qualidade e emprego. E indo um pouco além. Se analisamos o acesso à educação e a treinamentos: nessa época da vida, 18,19 anos, o que deveríamos esperar como sociedade é que essa pessoa estivesse preparada não só para o trabalho, mas seguir se preparando para os desafios do futuro, entorno digital, inteligência artificial, empregos verdes. Mas lamentavelmente, sabemos que uma em cada cinco pessoas na juventude não tem acesso a emprego, educação ou treinamento.”
Apesar dos desafios, o secretário-geral assistente para Assuntos da Juventude espera um ano melhor que 2024, que foi marcado por conflitos e guerras que levaram sofrimento a centenas de milhões de jovens.
Felipe Paullier diz que é possível levar a transformações positivas este ano e seguir trabalhando para que as mudanças e melhorias possam ser implementadas por governos nacionais, setor privado e sociedade civil numa grande aliança.
Leia na íntegra a conversa com Monica Villela Grayley, da ONU News.
ONU News:Para começar: 1,8 bilhão de jovens no mundo. É a maior geração de jovens da história. A geração Z parece bem preocupada como temas como saúde mental, responsabilidade, corporativa, ação climática e emprego. O que é mais urgente, na sua opinião.
Felipe Paullier: Como você bem diz, se consideramos jovens entre 10 a 24 anos, estamos falando de 1,8 bilhão de pessoas. E é a geração maior, mais educada e mais conectada da história da humanidade. E isso representa um potencial gigantesco. E parte da riqueza dessa geração é a sua diversidade. Então, se você me pergunta quais são as preocupações dos jovens é difícil responder essa pergunta em algo simples. Mas sim, naturalmente, quando analisamos esse grupo etário que é diverso. Diverso não só dependendo da cidade porque não é mesmo considerar uma pessoa jovem adolescente ou na etapa mais cedo ou tardia da juventude, ou uma pessoa jovem vivendo no Uruguai, ou na Nigéria, na África, é totalmente diverso. Mas, naturalmente, existe algo comum em tudo isso que é uma vontade e uma necessidade dessa pessoa jovem de querer ser parte da tomada de decisão. E isso significa querer transformar a agenda e trazer sua voz, suas necessidades e perspectivas à tomada de decisões. E isso, de alguma maneira, é uma reflexão internacional que começou a se transformar.
Por isso, em 2022, as Nações Unidas e os países-membros da organização decidiram estabelecer um Escritório para os Temas da Juventude. E é fundamental entender aqui que o nosso papel não é representar, mas sim criar mais espaços para que mais jovens possam ser parte da tomada de decisões e também de trazer as perspectivas e as necessidades das pessoas jovens ao ponto de tomada de decisões. E ser conscientes de que o status quo não reflete a demografia do mundo. Se consideramos as pessoas menores de 35 anos, somos mais ou menos a metade da população do mundo. Mas quando a gente vê a média de idade dos chefes de Estado e governo no mundo, isso não está refletido ali. Eu creio que existe uma necessidade latente de que os jovens sejam parte das decisões e dos temas que afetam os jovens. Você mencionou saúde mental, temas educativos, desemprego. E alguns deles tocam mais aos jovens porque metade da população do mundo tem menos de 35 anos e a maior parte está em países em desenvolvimento. E isso determina que existe uma necessidade maior de educação, emprego e serviços de saúde para mencionar algumas necessidades concretas.
ON: O que o Escritório (da Juventude) está recomendando para os jovens para as carreiras do futuro? No que eles devem se focar na hora de escolher a sua carreira profissional?
FP: Eu creio que quando falamos de emprego e desemprego, estamos falando de uma das maiores necessidades dos jovens sobre a mesa. E isso tem a ver com o mercado laboral e uma desigualdade que existe no acesso para os jovens versus o acesso ao emprego para a população no geral.
ON: E por que existe essa dificuldade?
FP: Tem a ver com muitos desafios. Quando você busca as causas, tem a ver com o que se exige para determinar as posições. Muitas instituições no setor privado colocam como barreira a experiência. Uma pessoa jovem não terá muitos anos de experiência porque está dando os primeiros passos no emprego. Mas ela terá, por outro lado, um dinamismo, uma formação em habilidades digitais, que não têm as gerações mais velhas, e traz suas perspectivas de um mundo distinto. O mundo em que eu nasci é diferente do mundo em que você nasceu, Monica. E isso faz com que nossas experiências marquem aquilo que podemos levar às instituições. Por outro lado, existe algo mais otimista. As estatísticas da Organização Internacional do Trabalho dizem que esse é o desemprego juvenil mais baixo dos últimos 15 anos. Isso é positivo. O desemprego de pessoas entre 18 e 25 anos é de aproximadamente 13%. Quando falamos de jovens, os cortes etários são diferentes para cada tema. É uma cifra mais baixa do que o que era antes da pandemia. Obviamente, durante a pandemia o impacto foi maior. Não se trata somente de que o desemprego seja três vezes, três vezes e meio mais alto que na população geral, mas sim o acesso ao emprego decente.
As estatísticas da OIT demonstram que quase a metade dos jovens que chegam ao mercado de trabalho, acessam um trabalho informal. Então isso não representa somente um problema de acesso ao emprego, mas o acesso à qualidade e emprego. E indo um pouco além. Se analisamos o acesso à educação e a treinamentos: nessa época da vida, 18,19 anos, o que deveríamos esperar como sociedade é que essa pessoa estivesse preparada não só para o trabalho, mas seguir se preparando para os desafios do futuro, entorno digital, inteligência artificial, empregos verdes. Mas lamentavelmente, sabemos que uma em cada cinco pessoas na juventude não tem acesso a emprego, educação ou treinamento.
ON: Os chamados nem-nem “Nem estudam e nem trabalham”?
FP: Sim, mas acho que muito mais que nem-nem, estamos falando de sim-sim. Nenhum jovem quer isso. Isso é uma falta de acesso a oportunidades para emprego e educação. Mas é importante dizer onde estamos: existe aqui também uma desigualdade de gênero. Dois de cada três jovens que têm dificuldade para conseguir um trabalho são mulheres. E o que a ONU está fazendo para mobilizar o governo e o setor privado? Existe uma iniciativa global chamada Geração sem Limite e que é uma resposta para tratar de entender que para os empregos do futuro é preciso gerar mais oportunidades de formação sobretudo para esses empregos do futuro.
ON: Vamos falar um pouco da sua trajetória agora. Para apresentar a quem ainda não te conhece quem é o representante desses jovens na ONU. Você chegou a repensar sua carreira como médico no quinto ano da Universidade, quando descobriu a política. Como você conseguiu resolver esse dilema interno?
FP: Quando eu olho para trás. Desde que entrei na faculdade no Uruguai aos 18 anos, eu vejo um Felipe que nunca imaginou que estaria trabalhando nas Nações Unidas aos 34 anos. Não era o que imaginava para minha trajetória pessoal e profissional. Mas o ponto em comum, em todos esses anos é entender uma identidade profissional vinculada a uma vocação de serviço. Para mim, a medicina e a política de serviço público têm mundo em comum. Como médico, existe essa vocação de curar e sara um por um. E foi o que durante muitos anos fiz com muito carinho e paixão. Na política, se trata de servir no nível comunitário e coletivo.
Eu acho que essa mudança foi gradual, foi um processo. Primeiro, me envolvi nos assuntos de política estudantil, depois em atividades da política nacional, local, depois globalmente. Foi um crescendo, mas sempre encontrando o comum que é a vocação do serviço. E hoje, acredito que é o que tenho que fazer aqui nas Nações Unidas. As Nações Unidas é uma instituição que tem a vocação dos serviços em assuntos humanitários, globais e coletivos. Nações Unidas é esse lugar do mundo, onde nos juntamos na diversidade que temos e que é gigantesca. São 193 Estados, mas também são um espaço onde pode participar a sociedade civil, onde participam os jovens, o setor privado buscando objetivos e soluções coletivas problemas comuns.
ON: Mas teve alguém que te ajudou nesse momento de dúvida sobre ser médico ou político. E alguém da sua família falou: termina a faculdade. Conta um pouco dessa história?
FP: Sim. É verdade. Parte da formação universitária é te preparar para a resiliência. Uma dessas coisas que não estão no currículo de nenhuma profissão. Medicina é uma formação muito longa. Foram sete meses e meio da minha estudando. E me lembro que no quinto ano, eu tive uma crise de vocação, que é parte do processo, se questionar. Lembro que, um dia, falando com minha mãe, disse que queria sair da faculdade, depois de cinco anos. E minha mãe me deu um conselho, que foi bom, e que por sorte, eu segui. Naquele momento eu me perguntava se ser médico adiantaria para o que eu queria fazer no futuro… Ela disse: ‘aconteça o que acontecer, eu creio Felipe, ser médico vai te acompanhar para sempre. Fecha essa etapa da tua vida e se quiser fazer algo diferente, isso sempre estará com você.’ E eu terminei, depois fui fazer pediatria. Creio que num mundo, cada vez mais, onde a mudança é uma realidade. Nesse mundo, as coisas mudam sempre. Não desistir, estudar e colocar como foco isso, creio que é uma necessidade.
ON: Felipe, como médico o resultado é mais imediato. O doente vai ao médico, tomar o remédio e o mal-estar, esperamos, passa. Na política é diferente. Não é imediato. Demora um pouco. Isso frustra, às vezes?
FP: A frustração está em qualquer tarefa. O desafio dos tempos institucionais é entender, sobretudo em espaços mais complexos e multilaterais, a necessidade de acordo determina que os tempos sejam outros. Parte do que qualquer médico faz é fazer um bom diagnóstico do paciente. Existe a etapa do diagnóstico, depois da receita e depois a etapa de ação, tratamento e aí vêm a cura, o resultado. E a política, sobretudo pública, trata um pouco disso também. Entender o problema. Por isso, falávamos do emprego juvenil e olhávamos as estatísticas. Está ligado aos aspectos laborais, educativos. No caso da política, a receita não depende apenas e uma pessoa só dizendo qual é a solução. Trata-se de acordar a solução e isso influi sobre o tempo. E depois, uma etapa de tratamento e colocar em ação e aprender como podemos seguir melhorando. Eu acredito que sim, e na origem da pergunta, Monica, creio que você tem toda a razão do mundo sobre o tempo das instituições tradicionais. Hoje, isso se choca com uma realidade em que o mundo vai muito mais rápido. E esse mundo em que os jovens nasceram é muito rápido. Se alguém tem uma dúvida, pergunta e encontra. Se tem um problema, denuncia e informa. E creio que esse é um dos grandes desafios que as instituições têm para o futuro. E parte dos problemas é das instituições. Se as instituições atuais não mudam a forma como lidam com a sociedade civil e, particularmente, com as pessoas jovens, elas podem ficar obsoletas para o futuro. E essa é a origem do motivo da ONU de criar o Escritório para a Juventude que não tem um objetivo individual.
E não é o que esse Escritório pode fazer por si mesmo, mas sim como essa equipe pode levar a uma transformação num sistema que é maior do que nós que atuamos nesse Escritório.
ON: Vamos encerrar, mas queria pedir a você uma mensagem para os jovens em 2025. Vai ser um ano bom?
FP: A realidade é que quando consideramos os desafios dos jovens, em nível global, e em muitos territórios vulneráveis são enormes. E temos que ter conscientes de que vivemos num mundo de enormes desigualdades e num mundo, lamentavelmente, constantemente açoitado por conflitos. E 2024 foi um ano muito duro para o mundo. Muitos conflitos que afetaram o dia a dia de muitos jovens: Gaza, Ucrânia, Sudão, o que hoje ocorre na República Democrática do Congo afeta a vida da população jovem. Mas, o que me motiva, a cada dia, não vou falar por outros, o que para mim é importante é acreditar que podemos mudar. E para que mudemos, é preciso haver mais espaços e uma confiança institucional de que os jovens sejam a solução para os problemas que enfrentamos. Por muitos anos, olhamos ou pensamos que os jovens eram um grupo para o qual tínhamos que fazer política, como sujeitos passivos, que tinham problemas, era uma visão muito paternalista… E hoje, temos consciência de que os jovens são parte da solução para os desafios que temos. E os problemas das instituições é, em parte, não se acercar das juventudes e dar-lhes esses espaços.
Minha visão para 2025 é de otimismo e de continuar o avanço dessa agenda. E sou otimista porque vejo que na ONU, como espaço multilateral e global, mas é um espaço onde são construídas narrativas globais. Vejo que nas Nações Unidas, estamos avançando. E estamos indo numa direção, onde começamos a ver as pessoas jovens como sujeitos e parceiros. E creio que 2024 foi um ano sumamente positivo com a aprovação do Pacto para o Futuro, com os países concordando em priorizar as pessoas jovens como futuro do multilateralismo.
E creio que 2025 já começa como um ano, no qual passamos do acordado no texto para a ação. E esse é o otimismo que vejo que não passa pela ONU como uma entidade à parte, mas sim como um espaço onde construímos transformação que repercutem em governos nacionais, na sociedade civil e em todo ecossistema que a ONU representa como espaço global.
Dr. Felipe Paullier, muito obrigada por participar do Podcast ONU News e volte sempre!
FP: Obrigada pelo espaço!
Source of original article: United Nations / Nações Unidas (news.un.org). Photo credit: UN. The content of this article does not necessarily reflect the views or opinion of Global Diaspora News (www.globaldiasporanews.net).
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